
Berlin Alexanderplatz estreou no Festival de Veneza de 1980
Tu nunca lá estavas, meu monte de esterco. Nunca vi Franz Biberkopf nenhum dos dias da minha vida. Quando te mandei o Lüders não abristes os olhos, fechastes-te que nem mola, como um canivete, e toca de te meteres nos copos, bagaço [aguardente] e mais bagaço e só copos, mais nada.
Eu queria ser decente e ele traiu-me.
Pois eu digo-te, tu não abriste foi os olhos, meu desmiolado! Pões-t'a vociferar contra gatunos e gatunagem e não olhas pr'ás pessoas e nunca perguntas porquê e como assim. Que raio de juiz dos homens me saíste tu, quando afinal nem olhos tens. Cego é o que foste e ainda por cima atrevido, presunçoso, o Sr. Biberkopf do bairro fino, e o mundo que seja como ele quiser. As coisas não são assim, meu menino, agora é que "tás a reparar". Ele não se preocupa nada contigo. Quando o Reinhold te deitou a mão e t'atirou para debaixo do automóvel, e que te passaram por cima do braço, o nosso Franz Biberkopf não se foi abaixo das forças. E ainda está debaixo das rodas e já está a jurar: eu quero ser forte. Nada de dizer: deixa cá pensar, juízo e cabeça fresca — mas não, o que ele diz é: eu quero ser forte. E não queres reparar que sou eu a falar contigo. Mas agora "tás-me a ouvir.” (DÖBLIN, 1992, p.465-466)
Teresa Seruya, autora do prefácio à edição portuguesa de Berlim Alexanderplatz (e também uma das recriadoras do texto em linguagem urbana de Portugal).
São essas as considerações com que Benjamin inicia o texto “A crise do romance” (subtítulo: “Sobre Alexanderplatz , de Döblin”). Assim, com relação ao posicionamento do homem perante o mar da existência, fica estabelecida a diferença entre a postura épica, ou seja, a do narrador, e a do romancista:
No poema épico, o povo repousa, depois do dia de trabalho: escuta, sonha e colhe. O romancista se separou do povo e do que ele faz. A matriz do romance é o indivíduo em sua solidão, o homem que não pode mais falar exemplarmente sobre as suas preocupações, a quem ninguém pode dar conselhos, e que não sabe dar conselhos a ninguém. (BENJAMIN, 1994, p.54)
"A TÉCNICA DA MONTAGEM E A NARRATIVA ÉPICA EM BERLIM ALEXANDERPLATZ,DE ALFRED DÖBLIN"
Carlos Eduardo Netto
UFSCAR
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