sexta-feira, 2 de abril de 2010

"Döblin, Benjamin e Franz Biberkop"


Berlin Alexanderplatz estreou no Festival de Veneza de 1980

Tu nunca lá estavas, meu monte de esterco. Nunca vi Franz Biberkopf nenhum dos dias da minha vida. Quando te mandei o Lüders não abristes os olhos, fechastes-te que nem mola, como um canivete, e toca de te meteres nos copos, bagaço [aguardente] e mais bagaço e só copos, mais nada.
Eu queria ser decente e ele traiu-me.
Pois eu digo-te, tu não abriste foi os olhos, meu desmiolado! Pões-t'a vociferar contra gatunos e gatunagem e não olhas pr'ás pessoas e nunca perguntas porquê e como assim. Que raio de juiz dos homens me saíste tu, quando afinal nem olhos tens. Cego é o que foste e ainda por cima atrevido, presunçoso, o Sr. Biberkopf do bairro fino, e o mundo que seja como ele quiser. As coisas não são assim, meu menino, agora é que "tás a reparar". Ele não se preocupa nada contigo. Quando o Reinhold te deitou a mão e t'atirou para debaixo do automóvel, e que te passaram por cima do braço, o nosso Franz Biberkopf não se foi abaixo das forças. E ainda está debaixo das rodas e já está a jurar: eu quero ser forte. Nada de dizer: deixa cá pensar, juízo e cabeça fresca — mas não, o que ele diz é: eu quero ser forte. E não queres reparar que sou eu a falar contigo. Mas agora "tás-me a ouvir.” (DÖBLIN, 1992, p.465-466)

Teresa Seruya, autora do prefácio à edição portuguesa de Berlim Alexanderplatz (e também uma das recriadoras do texto em linguagem urbana de Portugal).


São essas as considerações com que Benjamin inicia o texto “A crise do romance” (subtítulo: “Sobre Alexanderplatz , de Döblin”). Assim, com relação ao posicionamento do homem perante o mar da existência, fica estabelecida a diferença entre a postura épica, ou seja, a do narrador, e a do romancista:

No poema épico, o povo repousa, depois do dia de trabalho: escuta, sonha e colhe. O romancista se separou do povo e do que ele faz. A matriz do romance é o indivíduo em sua solidão, o homem que não pode mais falar exemplarmente sobre as suas preocupações, a quem ninguém pode dar conselhos, e que não sabe dar conselhos a ninguém. (BENJAMIN, 1994, p.54)



"A TÉCNICA DA MONTAGEM E A NARRATIVA ÉPICA EM BERLIM ALEXANDERPLATZ,DE ALFRED DÖBLIN"
Carlos Eduardo Netto
UFSCAR

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