sábado, 3 de outubro de 2009

"Deuses no deserto"



anete, são paulo, rosa


"Deuses no deserto"

ANETE ANTUNES

Gosto de permanecer no anonimato, de transparecer algum mistério, de ouvir tudo e não ouvir nada. De ser ninguém. Gosto mesmo é daquele sorriso meio amarelo meio desconcertado, como se fosse um tropeço, ou uma confissão, ou um jeito desajeitado dos lábios, um "não sei o que faço com a minha boca agora”, um desconforto de quem é pego no ato, uma tentativa frustrada de fuga. Esse sorriso depois dos necessários minutos, ensaiados para o primeiro olhar da noite/ primeiro ato, ou até que o álcool em meu sangue determine o devido grau de amortecimento. Para o primeiro acorde da nossa valsa particular, um "tirar para dançar" discreto. Nossos olhares pontuam, traçam metas, trançam rotas, invertem passos, atravessam os limites da realidade, desafiam o tempo e a moral daqueles que os ignoram. Sim, esses olhares dizem coisas que não podemos dizer. Um olhar desses é tão intenso quanto um toque, tão especial como um beijo. Excede-se, segundos além do permitido, além do suportável. Como uma brincadeira de quem pisca primeiro - um desafio acima de tudo. Uma delícia, um vício, um fim em si mesmo - sem meios, um "direto ao assunto" sem subterfúgios, sem escrúpulos, uma forma de invasão, uma perversão, um protesto, apropriação da alma, uma guerra e uma rendição, toda sua e nada sua, todo meu e nada meu, tudo e nada num segundo, profundamente sexual. Vazio. Uma impressão. Um "ouvi falar". Um conto. Um boato. Um mito. Deuses no deserto. Totalmente incerto. Paixão.


http://www.feira-das-vaidades.blogspot.com/

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