quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Pierre Fédida, Psicanálise




Pierre Fédida (1934-2002)

Necrológio para o jornal Le Monde de 6 de novembro de 2002, por Elisabeth Roudinesco

Grande personalidade da universidade francesa, onde durante quarenta anos instituiu um ensino fecundo da psicanálise, Pierre Fédida faleceu no Hospital Necker, em 1 de novembro, em conseqüência de um acidente vascular cerebral.

Nascido em 30 de outubro de 1934, ele era oriundo de um meio modesto. Seu pai, judeu sefardim de origem argelina, exercia o ofício de marceneiro, e sua mãe, de Lyon, era tecelã de vestimentas sacerdotais. É em Lyon, sua cidade natal, que ele faz uma parte da sua formação universitária. Em seguida, passa no concurso para a "agrégation" em filosofia, antes de defender sua tese de doutorado em letras e ciências humanas, inserindo-se depois na tradição da psicopatologia, que conheceu seu momento de glória com Ludwig Binswanger, médico, diretor da prestigiosa clínica de Bellevue, situada em Kreuzlingen, na margem suíça do lago de Constança.

Próximo desse amigo de Freud, grande mestre da psiquiatria existencialista de inspiração hursseliana, Fédida, nesse sentido próximo também de Henri Maldiney e das primeiras obras de Michel Foucault, recebe, entre 1958 e 1966, uma sólida formação clínica e teórica da qual conserva marcas tanto em seus ensinamentos quanto no seu percurso de psicanalista que o conduzirá, após uma formação didática com Georges Favez, a se filiar à Association Psychanalytique de France (APF).

Percorrendo a mesma trilha de Daniel Lagache, Didier Anzieu ou ainda Jean Laplanche, Fedida considera que a disciplina freudiana não deve ser transmitida exclusivamente no quadro privado das associações psicanalíticas. Para se laicizar, ela precisa também se confrontar com outros domínios de saber. Sob essa ótica, e após ter se tornado professor da Universidade de Paris VII, em 1979, opta por um caminho difícil. Recusa a política adotada pelos seus predecessores, que não conseguiram evitar que os departamentos de psicologia clínica funcionassem como anexos das grandes sociedades freudianas. Estabelece, igualmente, um verdadeiro diálogo, de um lado, com os freudianos de obediência lacaniana, e, de outro, com os outros universitários, permitindo assim que a universidade se torne um lugar de confrontação entre as diversas correntes freudianas e entre elas e as outras disciplinas.

A ofensiva dos cientistas

Desde então, multiplica suas atividades e, com zelo, sedução, inteligência e delicadeza, consegue desenvolver um espaço de discussão que fará dele o defensor de um humanismo freudiano preocupado ao mesmo tempo com o respeito pelas diferenças e com um ideal racionalista e universalista.

Criador do Laboratório de Psicopatologia da Universidade de Paris VII, em 1979, e responsável pela formação dos futuros psicólogos clínicos, em particular dos pesquisadores e professores, enfrenta fortes adversários vindos das neurociências, do cognitivismo, do experimentalismo e do comportamentalismo, que se atribuíram como principal missão passar a psicologia para o lado das ciências ditas "duras" e retirar dela toda e qualquer referência ao psiquismo.

Para responder a essa ofensiva - que atualmente é denunciada pelos próprios cientistas - Fédida cria, em 1993, o Centre d´Études du Vivant por meio do qual, e em colaboração com o Forum Diderot, fundado por Dominique Lecourt, organiza grandes debates sobre temas comuns à biologia, medicina, psiquiatria, filosofia e psicanálise. Edouard Zarifian, conhecido por seus trabalhos sobre psicofarmacologia, apóia-o ativamente na crítica aos excessos de organicismo em matéria de tratamentos psíquicos. Numerosas obras coletivas nascerão desses encontros, entre as quais L'embryon humain est-il humain? (PUF, 1996), La fin de la vie qui en décide? (PUF, 1997), Demain les psychotropes? (PUF, 1998). Paralelamente, Fédida estabelece laços com importantes universidades latinoamericanas, realizando no Brasil, a cada dois anos, um seminário mensal.

Uma vasta obra

Interessado em estruturar um projeto comum de pesquisa e formação envolvendo todas as tendências psicanalíticas funda, em 1999, com seu amigo Roland Gori, professor da Universidade de Aix-Marseille, com quem divide esse combate, o Seminário Inter-universitário de Pesquisas em Psicopatologia e Psicanálise, reunindo uma centena de professores até então dispersos ou divididos em querelas de escola. Enfim, sem negligenciar a importância do belo campo das "letras", em 2000 participa da criação de um Instituto do Pensamento Contemporâneo, ao lado de Julia Kristeva e François Jullien.

Clínico respeitado, Fédida é também autor de uma abundante obra escrita, em que se misturam estudos sobre arte, literatura, corpo, exílio ou, ainda, a destituição de si. Em Crise et contre-transfert (PUF, 1992), analisou a gênese desse conceito de contratransferência na perspectiva de abrir a psicanálise para outros campos de investigação. Três anos mais tarde, em O sítio do estrangeiro (PUF, 1995/Escuta, 1996) dá continuidade a essa reflexão, mostrando que a posição do analista circunscreve uma ausência que, pela sua própria estrangeiridade, favorece o avanço positivo do tratamento. Enfim, em seu último livro, Les bienfaits de la dépression (Odile Jacob, 2001/Escuta, 2002), interessa-se pela elucidação do sintoma da depressão para deduzir que ele impede o sujeito de entrar na melancolia e que, sem dúvida, traz um benefício que os adeptos do tratamento químico se enganam ao querer extirpar (Cf. Le Monde de 9 de fevereiro de 2001).

Sua última conferência, magnífica, pronunciada em outubro na associação Espace Analytique, teve por título "As figuras da Pietá. O corpo da Virgem e o corpo de Cristo".

Tradução de Carmen Lucia Montechi Valladares de Oliveira.

Um comentário:

  1. Aldir, tudo bem?, apenas um "off topic":

    Tenho lido alguns capítulos de “A Verdade Como Regra das Ações”, do filósofo (cearense) Farias Brito.

    Me parece um pensador injustamente esquecido cá entre nós, não? Até agora, gostei muito do que li. Se puder, publique alguma referência no blog, someday.

    Um abraço.

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