quarta-feira, 11 de novembro de 2009

"Sinédoque, Nova York" filme 2009



alog 2000

Estou extremamente feliz em poder escrever a crítica sobre o novo trabalho de Charlie Kaufman! Não só porque sou fã declarado dele e de sua obra, mas porque Sinédoque, Nova York é um acontecimento!

Trata-se da estreia do roteirista na direção, trata-se também do melhor filme de 2008 e de uma das obras mais emocionantes, inteligentes e geniais dos últimos tempos.

Mas antes de começar o texto, vale um aviso: não é um filme fácil, não é para todos os públicos, não é exatamente o que podemos chamar de inteligível, é o tipo de obra que divide público e crítica e certamente há quem vai dizer que é arte pseudo-intelectual barata.

Sobre este último item, devo me adiantar que antes de ser excêntrico, Kaufman procura fazer sentido, por mais difícil e inacessível que possa parecer.

Não foi com a metalinguagem que o diretor foi reconhecido, ou pelo menos não foi por tal elemento que lhe fizeram as maiores honras. Em 2005, ele abocanhou o Oscar de melhor roteiro original por sua complicada e engenhosa trama na qual um sujeito após descobrir que sua ex-namorada o apagou de sua memória, decide passar pelo mesmo processo – e enquanto suas memórias são apagadas, ele descobre que ainda a ama e começa internamente, junto a lembrança dela, tentar reverter o processo. Entendeu? Ok, é assim mesmo.

Mas o fato é que a metalinguagem é uma constante em seus trabalhos, só não consigo dizer em qual ela se faz mais presente: Em Quero Ser John Malkovich, ele fez com que dois sujeitos encontrassem, literalmente, a porta para a mente do ator e, em Adaptação criou uma trama em que ele era o protagonista, tinha um irmão gêmeo e tentava, paralelamente as filmagens do primeiro filme, adaptar um roteiro sobre um ladrão de orquídeas ao mesmo tempo que desenvolvia uma segunda trama: a do ladrão de orquídeas que se apaixona pela mulher que está escrevendo um livro sobre sua história, livro este que mais tarde terá de ser adaptado por… Charlie Kaufman.

Aqui, o diretor de teatro Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman, monstruoso) está cada vez mais doente e deprimido. A mulher o deixa para viver com sua amante Maria, e leva consigo a filha do casal.

A medida que o tempo passa, Caden fica mais e mais doente, até que um dia recebe um telegrama com a notícia de que tem um gordo orçamento para fazer o que quiser. Ele decide então, montar uma peça que conta sua própria história e, dentro de um enorme galpão começa a construir tudo aquilo que faz ou fez parte de sua vida, inclusive o próprio galpão.

A trama ainda reserva outros arcos a serem desenvolvidos: Caden é um sujeito extremamente dependente do sexo feminino: além de sofrer com o abandono da mulher, a ausência da filha e a rivalidade com Maria, ele se envolve com uma bilheteira que mora em uma casa em chamas e também com uma atriz fascinada por seu trabalho, é analisado por uma controladora psicóloga e ao longo do filme vai se encontrando e até mesmo se fundindo com o sexo oposto. Não por acaso. A mulher é usada como alegoria por Kaufman, a fonte da vida, o poder de concepção que elas tem é justamente o que completa Caden, o artista. É o que o gera, o que o faz falta, o que o completa, o que o guia, aquilo que lhe condena e lhe amedronta. É Kaufman, mais uma fez presente na trama completando seu outro alterego, Caden.

O fabuloso elenco, quase que todo composto por mulheres é um dos grandes trunfos do longa. Exigüidade é dada para cada uma delas que passeiam entre o drama e a comédia sem tropeços. A trilha sonora nos dá toda a dimensão de solidão que cerca o personagem. A edição muda seu estilo conforme a trama pede, mas sem quedas de ritmo comprometedoras, muito pelo contrário. A suave e melancólica fotografia valoriza um lindíssimo e notável trabalho de direção de arte. Roteiro e direção magníficos.

No primeiro take, o diretor-roteirista já nos mostra do que fala seu filme com Caden acordando – nós, a platéia vemos apenas seu reflexo até que os créditos iniciais acabem.

Mas o filme não é exatamente sobre a metalinguagem, embora esta esteja presente desde as fezes da filha do protagonista até os inteligentíssimos e sarcásticos diálogos. É um filme sobre a solidão do artista e a busca e concepção da arte. Segundo Kaufman, a arte, até mesmo quando não a encontramos e a concebemos, está presente pois é em primeiro lugar, a essência do artista.

O texto reserva para cada piada uma dose de tristeza e para cada momento de maior dramaticidade, uma deliciosa dose de sarcasmo – nos vemos rindo do suicídio de um escritor e nos encontramos comovidos com uma cena de agressão que beira o pastelão.

Ainda há agradabilíssimos toques de surrealismo que nos remetem ao cinema de Luis Buñuel e a verborragia e o lirismo típicos das obras do sueco Ingmar Bergman, tudo isso assinado com estilo próprio que se nota pelo brilhantismo e fiel conexão ao texto. No mundo criado por Kaufman, absolutamente tudo faz sentido, tudo se conecta, tudo tem um significado e um porquê. Não há desperdícios, não há excessos e tudo está a favor do que se propôs a contar e, se é isso que define uma obra-prima, leve também em consideração que a genialidade anda aqui, de mãos dadas com as emoções mais genuínas que a arte pode causar.

Não me recordo de nenhum filme que tenha me feito chorar com os créditos finais e não me lembro de créditos finais, que por si só, significassem tanto para o que foi narrado nas duas horas anteriores. Obrigado, Charlie Kaufman.

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