sexta-feira, 20 de março de 2009

"Kung Fu"




Resolveu que daquele dia em diante ficaria mudo. Não responderia aos apelos
dos filhos, da mulher, do chefe da repartição, do dono da mercearia.

Seria mudo, mas voluntariamente mudo.
Levaram-no ao médico que nada diagnosticou, o fonoaudiólogo falou ligeiramente em bloqueios de ordem psicológica. A mulher desesperou-se, o que mais adorava nele eram as suas observações sarcásticas, elas agoram estavam escondidas atrás de um olhar sombrio e desconfiado.

Acabam acostumando, pensou. Passou a ter certo domínio dos desejos através
do olhar. Treinaria o olhar, isso mesmo,
o olhar seria mais preciso do que todos os outros sentidos. Não tocaria a mulher, apenas a olharia como um estranho.
Lera em Sidarta que seria possível controlar a audição e selecionar o que se deve ouvir das pessoas.Seria uma segunda etapa, um pouco mais refinada.
Sempre teria imagens em profusão para esquecer as palavras.
Não nomear as coisas, elas deixariam de existir.
Controlar a respiração e os batimentos cardíacos. Lembrar sempre.
A Lourdes, o primeiro sexo, os filhos que partiram, a mesa de trabalho. Ele surpreendeu todo o bairro ao doar todas as roupas e os pequenos objetos para os mais necessitados.

Nunca mais falou com ninguém. Sumiu para sempre com tantas imagens, como um caledoscopio de cores e fragmentos.

A mulher fugiu com o dono da mercearia. Um homem, por sinal, bastante lacônico e
amante das artes marciais.

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